Por Eric Nepomuceno
Artigo publicado originalmente no jornal Página/12
Considerado o fundador do Estado moderno no Brasil, Getúlio Vargas foi alvo de uma contundente campanha encabeçada pelo jornal Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro. Terminou se suicidando com um tiro no coração em agosto de 1954. Criador de Brasília e um dos presidentes mais populares do Brasil, Juscelino Kubitschek enfrentou a resistência feroz do conservador O Estado de São Paulo. Acusado de corrupção irremediável, jamais se comprovou nada contra ele. Histórico dirigente da esquerda, o trabalhista Leonel Brizola foi governador do Rio de Janeiro em 1982, no início do processo da democratização, e passou seus dois governos sob uma campanha implacável (e freqüentemente mentirosa) do mais poderoso grupo de comunicações da América Latina, que controla a TV Globo e o jornal O Globo.
Nunca antes, porém, um presidente foi tão perseguido pelos meios de comunicação como ocorre com Luiz Inácio Lula da Silva. Com freqüência assombrosa foram abandonadas as regras básicas do mínimo respeito cidadão. Um bom exemplo disso é a revista Veja, semanário de maior circulação no país, que sem resquícios de pudor público denuncia escândalos em seqüência que acabam não sendo comprovados. Em sua página na internet abriga comentaristas que tratam o presidente da Nação de “essa pessoa”. O mesmo grupo que controla a TV Globo, cujo noticiário tem a maioria da audiência, o matutino O Globo, principal jornal do Rio e segundo em circulação no Brasil, e a principal cadeia de rádio, CBN, não perde a oportunidade de destroçar Lula e seu governo, sem preocupar-se nem um pouco com a veracidade de seus ataques. O jornal Folha de São Paulo, de maior circulação no país, divulga qualquer denúncia como se fosse verdadeira e não se priva de aceitar que um ex-condenado por receptação de mercadorias roubadas e circulação de dinheiro falso se transforme em “consultor de negócios” e lance acusações sem apresentar nenhuma prova. Até o conservador O Estado de São Paulo, que até agora era o mais equilibrado na oposição ao governo, optou por ingressar neste jogo sem regras nem norte.
Frente á inércia dos principais partidos de oposição, o PSDB e o DEM, os meios de comunicação ocupam organicamente esse espaço. Isso foi admitido, há alguns meses, pela própria presidente da Associação nacional de Jornais (ANJ), Judith Brito, da Folha de São Paulo. Mais grave, porém, é o que nenhum destes grupos admite: mesmo antes de iniciar a campanha sucessória de Lula, esse enorme partido informal (mas muito eficaz) de oposição optou por um candidato, José Serra, que não respondeu às suas expectativas. E frente à incapacidade de sua campanha eleitoral, os meios de comunicação brasileiros decidiram atacar a candidatura de Dilma Rousseff, ignorando os limites éticos.
Essa politização absoluta e essa tomada de posição pela imprensa terminaram por provocar a reação de Lula. Suas críticas, por sua vez, provocaram uma irada onda de novas denúncias, indicando que o presidente pretendia impedir a liberdade de expressão e de opinião. No entanto, em seus quase oito anos como presidente, Lula em nenhum momento representou uma ameaça à grande imprensa, por mais remota que fosse. Alguns movimentos para impor algumas regras e impedir a permanência de um esquema de quase monopólio foram neutralizados pelo próprio Lula que optou pelo não enfrentamento com as oito famílias que concentram o controle dos meios de comunicação no maior país latinoamericano.
A liberdade de imprensa é absoluta no Brasil, ao ponto de ter se transformado em liberdade de caluniar. Os grosseiros ataques, freqüentemente baseados em nada, contra Lula e seus governo aparecem todos os dias, sem que ninguém trate de impedi-los. E, ainda assim, os grandes meios não deixam de denunciar ameaças à liberdade de expressão. Talvez a razão de tudo isso repouse no que ocorreu quando o Brasil voltou á democracia, há 25 anos. Ao contrário do que ocorreu em outros países que reencontraram a democracia – penso especificamente nos casos da Espanha e da Argentina -, no Brasil a imprensa não se democratizou. Não surgiram alternativas que respondessem aos diferentes segmentos políticos e ideológicos. Prevaleceu o cenário em que cada meio apresenta o eco de uma mesma voz, a do sistema dominante.
Para esse sistema, Lula era um risco suportável. Já a sua sucessão é outra coisa. E se o candidato da oposição se mostra um incapaz, o verdadeiro partido oposicionista revela sua cara mais feroz. Ao exercer a liberdade do denuncismo barato, mostra seu inconformismo com a manifestação do desejo dessa massa de ignaros que é chamada de povo. Essa gente que não era nada e passou a se considerar cidadã. Isso sim é inadmissível.
(*) Jornalista, escritor e tradutor
Tradução: Katarina Piexoto
Carta Maior
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