terça-feira, 28 de setembro de 2010

A imprensa, verdadeira oposição no Brasil

Por Eric Nepomuceno

Artigo publicado originalmente no jornal Página/12

Considerado o fundador do Estado moderno no Brasil, Getúlio Vargas foi alvo de uma contundente campanha encabeçada pelo jornal Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro. Terminou se suicidando com um tiro no coração em agosto de 1954. Criador de Brasília e um dos presidentes mais populares do Brasil, Juscelino Kubitschek enfrentou a resistência feroz do conservador O Estado de São Paulo. Acusado de corrupção irremediável, jamais se comprovou nada contra ele. Histórico dirigente da esquerda, o trabalhista Leonel Brizola foi governador do Rio de Janeiro em 1982, no início do processo da democratização, e passou seus dois governos sob uma campanha implacável (e freqüentemente mentirosa) do mais poderoso grupo de comunicações da América Latina, que controla a TV Globo e o jornal O Globo.

Nunca antes, porém, um presidente foi tão perseguido pelos meios de comunicação como ocorre com Luiz Inácio Lula da Silva. Com freqüência assombrosa foram abandonadas as regras básicas do mínimo respeito cidadão. Um bom exemplo disso é a revista Veja, semanário de maior circulação no país, que sem resquícios de pudor público denuncia escândalos em seqüência que acabam não sendo comprovados. Em sua página na internet abriga comentaristas que tratam o presidente da Nação de “essa pessoa”. O mesmo grupo que controla a TV Globo, cujo noticiário tem a maioria da audiência, o matutino O Globo, principal jornal do Rio e segundo em circulação no Brasil, e a principal cadeia de rádio, CBN, não perde a oportunidade de destroçar Lula e seu governo, sem preocupar-se nem um pouco com a veracidade de seus ataques. O jornal Folha de São Paulo, de maior circulação no país, divulga qualquer denúncia como se fosse verdadeira e não se priva de aceitar que um ex-condenado por receptação de mercadorias roubadas e circulação de dinheiro falso se transforme em “consultor de negócios” e lance acusações sem apresentar nenhuma prova. Até o conservador O Estado de São Paulo, que até agora era o mais equilibrado na oposição ao governo, optou por ingressar neste jogo sem regras nem norte.

Frente á inércia dos principais partidos de oposição, o PSDB e o DEM, os meios de comunicação ocupam organicamente esse espaço. Isso foi admitido, há alguns meses, pela própria presidente da Associação nacional de Jornais (ANJ), Judith Brito, da Folha de São Paulo. Mais grave, porém, é o que nenhum destes grupos admite: mesmo antes de iniciar a campanha sucessória de Lula, esse enorme partido informal (mas muito eficaz) de oposição optou por um candidato, José Serra, que não respondeu às suas expectativas. E frente à incapacidade de sua campanha eleitoral, os meios de comunicação brasileiros decidiram atacar a candidatura de Dilma Rousseff, ignorando os limites éticos.

Essa politização absoluta e essa tomada de posição pela imprensa terminaram por provocar a reação de Lula. Suas críticas, por sua vez, provocaram uma irada onda de novas denúncias, indicando que o presidente pretendia impedir a liberdade de expressão e de opinião. No entanto, em seus quase oito anos como presidente, Lula em nenhum momento representou uma ameaça à grande imprensa, por mais remota que fosse. Alguns movimentos para impor algumas regras e impedir a permanência de um esquema de quase monopólio foram neutralizados pelo próprio Lula que optou pelo não enfrentamento com as oito famílias que concentram o controle dos meios de comunicação no maior país latinoamericano.

A liberdade de imprensa é absoluta no Brasil, ao ponto de ter se transformado em liberdade de caluniar. Os grosseiros ataques, freqüentemente baseados em nada, contra Lula e seus governo aparecem todos os dias, sem que ninguém trate de impedi-los. E, ainda assim, os grandes meios não deixam de denunciar ameaças à liberdade de expressão. Talvez a razão de tudo isso repouse no que ocorreu quando o Brasil voltou á democracia, há 25 anos. Ao contrário do que ocorreu em outros países que reencontraram a democracia – penso especificamente nos casos da Espanha e da Argentina -, no Brasil a imprensa não se democratizou. Não surgiram alternativas que respondessem aos diferentes segmentos políticos e ideológicos. Prevaleceu o cenário em que cada meio apresenta o eco de uma mesma voz, a do sistema dominante.

Para esse sistema, Lula era um risco suportável. Já a sua sucessão é outra coisa. E se o candidato da oposição se mostra um incapaz, o verdadeiro partido oposicionista revela sua cara mais feroz. Ao exercer a liberdade do denuncismo barato, mostra seu inconformismo com a manifestação do desejo dessa massa de ignaros que é chamada de povo. Essa gente que não era nada e passou a se considerar cidadã. Isso sim é inadmissível.

(*) Jornalista, escritor e tradutor

Tradução: Katarina Piexoto

Carta Maior

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Um novo consenso nacional

Daqui a alguns dias o Brasil decide se o governo Lula é um parêntesis e voltam as elites tradicionais ao governo ou se é uma ponte para dar continuidade e aprofundar a construção de uma sociedade justa, solidária e soberana.


Tendo praticamente toda a imprensa contra a candidata que encarna a continuidade do governo Lula, o fenômeno mais impressionante desta campanha é como a Dilma conseguiu obter um apoio tão generalizado da massa da população – em todos os estados, em todos os estratos sociais, em todos os níveis de instrução, nos dois gêneros. Expressa a falta de sintonia da imprensa tradicional brasileira com os desejos e valores da massa da população.

O governo Lula e a campanha da Dilma expressam, no apoio que recebem, um novo consenso, amplamente majoritário no país: que prioriza os direitos sociais, o papel ativo do Estado como indutor do desenvolvimento econômico e das políticas sociais, da soberania na política externa brasileira.

Concluir seus dois mandatos com mais de 80% de apoio e 4% de rejeição (Fernando Henrique Cardoso, exatamente há 8 anos, em setembro de 2002, tinha 50,9% de rejeição), rejeitar a tentação de um novo mandato (FHC mudou a Constituição durante seu primeiro mandato, para ter um segundo), lançar uma candidata que representa, da maneira mais direta, seu governo, submeter-se ao voto popular e, provavelmente, obter uma vitória no primeiro turno, representam não apenas um sucesso pessoal do Lula.

Representam o triunfo de valores que se contrapõem aos que reinaram na década de 90, reino neoliberal: os valores do mercado, de que tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra, tudo é mercadoria. Afirma-se hoje uma negação dessa visão de estilo shopping-center do mundo, calcada no “modo de vida norteamericano”, que privilegia o consumidor em detrimento do cidadão. Afirma-se hoje a esfera pública, a cidadania, o direito de acesso aos bens materiais e espirituais para todos e não apenas para a minoria para a qual se governava antes no Brasil.

O provável resultado eleitoral da vitória da Dilma no primeiro turno representará também o fim de carreira de toda uma geração de políticos que passaram a representa a direita no Brasil, assumindo o neoliberalismo como modelo: menos Estado, mais mercado, privatizações, abertura sem limites da economia, precarização das relações de trabalho, subserviência às políticas dos EUA no plano internacional, Tratado de Livre Comércio com Washington.

A provável convocatória a uma Assembléia Constituinte autônoma permitirá a reforma não apenas do sistema político, mas do próprio Estado brasileiro, que se tornou um Estado mínimo - abdicando de todas as funções econômicas para o mercado-, inadequado a um país que necessita crescer muito e reduzir as imensas desigualdades acumuladas ao longo dos séculos.

Daí a importância das eleições do próximo domingo, que podem ser um marco na superação da situação do Brasil ser o país mais desigual da América Latina, que por sua vez é o continente mais desigual do mundo. Esse processo apenas começou, requer agora o aprofundamento e a extensão das políticas de redistribuição de renda para políticas habitacionais, de saneamento básico, de transporte, de educação, de saúde publica. Para que sejamos não apenas uma democracia política, mas também econômica, social e cultural.

Porque se a distribuição de renda coloca a maioria da população no centro da pirâmide, isto não significa que passamos, em tão pouco tempo, a ser um país de classe média. Porque as condições mencionadas acima – habitação, saneamento básico, educação, saúde, transporte – continuam a ser muito ruins. É uma acumulação de miséria e de carências muito longa no tempo que para ser superada requer a continuidade, a extensão e o aprofundamento de políticas sociais amplas e articuladas por muito tempo.

Para o que necessitamos um Estado muito distinto deste – ineficiente, financeirizado -, necessitamos um Estado centrado na esfera pública, na afirmação dos direitos, na cidadania extensa a todos. Um Estado capaz de promover o desenvolvimento estreitamente articulado com políticas sociais redistributivas. Que possa incluir mecanismos como os do orçamento participativo, que integra a cidadania nas decisões políticas fundamentais.

Postado por Emir Sader às 04:25 no sitio da Carta Maior

sábado, 25 de setembro de 2010

Seria uma vez…

Mariana Cortez


José Saramago bebeu na fonte da História para recontá-la, dando vozes aos excluídos. Foi assim que ele substituiu o que foi pelo o que poderia ter sido

Walter Benjamin em O Narrador – considerações sobre a obra de Nicolai Leskov, de 1936, sentencia a morte do narrador. Para esse teórico, a função do narrador era a força motriz das histórias orais, por isso essa figura deveria ser partícipe da comunidade e deveria cumprir o papel, via narrativa, do “conselheiro” daquele grupo de pessoas. Ainda, acrescenta que existia uma tipologia de narradores que obedecia ao seguinte critério: o camponês-sedentário, aquele que narrava a partir dos relatos ouvidos e o comerciante-viajante, aquele que relatava as suas aventuras em terras distantes.

Com a criação da imprensa, contudo, o romance extinguiria a narração e a figura do narrador, era o que acreditava Benjamin. Mas, quem tem a literatura sob controle.

Nasce neste cenário em que a imprensa ganha majestade, numa aldeia de Portugal (Azinhaga, província do Ribatejo), filho de camponeses, um romancista que narraria ao “pé de ouvido”, como postulado por Benjamin, mas que utilizaria a tinta como instrumento de persuasão.

O autor dessa façanha é ninguém menos que o único Prêmio Nobel de Literatura em Língua Portuguesa, José Saramago (1922-2010). Com ares de avô, que coloca os netos ao colo, sua narração é conselho, como quer Benjamin. Mas ele não é nem viajante nem sedentário. Ele é, sobretudo, leitor: filósofo, crítico, cidadão. Um leitor, portanto, atento ao mundo, às questões fundamentais que constituem a humanidade no que ela tem de mais verdadeiramente humano, seus erros.

O seu modo de narrar – com perguntas, hesitações, respiros, circularidade, devaneio – acolhe o outro leitor, que ao entrar nesse universo construído parece ouvir ao longe aquele senhor sentado que conta uma história que tem muito de verdade e assim, nessa conversa, o leitor é convidado o tempo todo a refletir, a questionar a ordem estabelecida, a atuar sobre a condição imposta e, claro, por vezes a assumir outra visão do mundo, já que foi dissuadido por aquele hábil contador.

Autor/Narrador

Como grande leitor que era, criará seu narrador, que segundo ele é ele mesmo: “Não é nada dramático. O narrador dos meus livros é o próprio autor deles”. Com o intuito de contar outra versão de uma história conhecida, recriará desde Portugal e toda a Península Ibérica (Levantado do Chão, de 1980, Jangada de Pedra, de 1986) até escritos, que os cristãos assumem como verdades incontestáveis (O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de 1991). Essa guinada de perspectiva lhe renderá o autoexílio.

Aborrecido com a intransigência da Igreja Católica de seu país, partirá para a Espanha – Ilha de Lanzarote, onde viverá até a sua recente morte em 18 de junho de 2010.

Sua fonte, portanto, é a História, mas sua perspectiva é a do excluído, daquele que não teve voz na narração histórica estabelecida pelo poder dos que venceram e que pela força do poder instituído habitam o universo escolar. Trazer a obra de Saramago para os bancos escolares é contar uma nova história. Segundo o próprio autor: “Quando digo corrigir, corrigir a História, não é no sentido de corrigir os factos da História, pois essa nunca poderia ser tarefa de romancista, mas, sim, de introduzir nela pequenos cartuchos que façam explodir o que até então parecia indiscutível: por outras palavras, substituir o que foi pelo que poderia ter sido. (…) Simplesmente, se a leitura histórica, feita por via do romance, chegar a ser uma leitura crítica, não do historiador, mas da História, então essa nova operação introduzirá, digamos, uma instabilidade, uma vibração, precisamente causadas pela perturbação do que poderia ter sido, quiçá tão útil a um entendimento do nosso presente como a demonstração efectiva, provada e comprovada do que realmente aconteceu”. (SARAMAGO, J.L., Ano X, nº 400, pág. 19).

Outro olhar

No documentário Língua: Vidas em Português (coprodução Brasil-Portugal), Saramago diz que para se conhecer um objeto, poderia se supor também uma situação – “há que se dar a volta”. Uma coroa pode parecer perfeita num primeiro olhar, contudo, se a circundamos, ela pode estar corroída do outro lado. Aí está o ponto de vista saramaguiano. No conto Cadeira, da coletânea Objecto Quase (1994), o autor conta sobre a queda de um ditador, mas o que interessaria descrever é a cadeira que está corroída- e que devagar derrubará o opressor, evidentemente, uma metáfora de um sistema de governo.

Além da mudança de perspectiva da História que aliará realidade e ficção, corroborando o ideário pós-moderno da metaficção historiográfica, como formula Linda Hutcheon (Poética do Pós-Modernismo, Rio de Janeiro, Imago, 1991) e amplamente exercitado por Umberto Eco, para citar outro autor; os ditados populares, expressão fundamental à cultura, permearão os escritos saramagianos. Seja “em terra de cego quem tem olho é rei” (Ensaio sobre a Cegueira), seja nas reflexões mais populares e angustiantes sobre a morte, como no conto Refluxo (Objecto Quase), em que o rei quer eliminar a morte do reino e constrói um cemitério cercado por muros, para que a morte fique longe dos olhos (“o que os olhos não veem, o coração não sente”). Essa “verdade” fabulada é, pois, a sua sentença: “Continuo a pensar que o narrador não existe, quem existe é o autor, que tem uma história na cabeça e a quer passar ao papel. E como isso para mim é quase uma regra de ouro, estou presente, admito que às vezes até de mais, no que escrevo. Não para falar de mim, mas para dar as minhas opiniões, as minhas ‘sentenças’”.

Independentemente de a crítica literária concordar ou discordar do posicionamento assumido pelo autor, vale trazer à tona esse narrador saramaguiano inquieto, bem ao modo de Benjamin, que joga com o leitor num vaivém de acolhimento e desequilíbrio. Eis a magia do grande narrador, a quem rendemos oportuna homenagem.

(sitio da Carta Capital)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Veríssimo: Os últimos dez dias

Artigo de Luis Fernando Veríssimo publicado hoje no jornal O Estado de S.Paulo

De hoje à data da eleição teremos dez dias de manchetes nos jornais e duas edições da Veja. Não sei até quando podem ser publicadas as pesquisas sobre intenção de voto, mas até a última publicação - aquela que, segundo os céticos, é a mais confiável, pois é a que garante a credibilidade e o futuro dos pesquisadores - veremos uma corrida emocionante: o noticiário perseguindo os índices da Dilma para tentar derrubá-los antes da chegada, no dia 3. O prêmio, se conseguirem, será um segundo turno. Se não conseguirem a única dúvida que restará será: se diz a presidente ou a presidenta?


Até agora as notícias de corrupção na Casa Civil não afetaram os índices da Dilma. Estou escrevendo na terça, talvez as últimas pesquisas mostrem um efeito retardado. Mas ainda faltam dez dias de manchetes e duas edições da Veja, quem sabe o que virá por aí? O governo Lula tem um bom retrospecto na sua competição com o noticiário. A popularidade do Lula não só resistiu a tudo, inclusive às mancadas e aos impropérios do próprio Lula, como cresceu com os oito anos de denúncias e noticiário negativo. Desde UDN x Getúlio nenhum presidente brasileiro foi tão atacado e denunciado quanto Lula. Desde sempre, nenhum presidente brasileiro acabou seu mandato tão bem cotado.
Acrescente-se ao paradoxo o fato de que o eleitorado brasileiro é tradicionalmente, às vezes simplisticamente, moralista. Elegeu Jânio para varrer a sujeira do governo Juscelino, elegeu Collor para acabar com os marajás, aplaudiu a queda do Collor por corrupção presumida e houve até quem pedisse o impedimento do Itamar por proximidade temerária com calcinha transparente. Mas o moralismo tornou-se politicamente irrelevante com Lula e, por tabela, para os índices da Dilma. É improvável que volte a ser decisivo em dez dias. Mas nunca se sabe. O que talvez precise ser revisado, depois dos oito anos do Lula e depois destas eleições, quando a poeira baixar, seja o conceito da imprensa como formadora de opiniões.

Mas a corrida dos dez dias começa hoje e seu resultado ninguém pode prever com certeza. Virá alguma bomba de fragmentação de última hora ou tudo que poderia explodir já explodiu? O que prevalecerá no final, os índices inalterados da Dilma ou o noticiário? Faça a sua aposta.

Crédito: Pragmatismo Político

Notas de Leitura: Representações do intelectual, de Edward W. Said

Notas de Leitura: Representações do intelectual, de Edward W. Said: "Por exemplo, a diferença que delineei entre o intelectual profissional e o amador reside precisamente no fato de que o primeiro alega dista..."

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

sábado, 4 de setembro de 2010

Em 1969

Tenho recebido e-mails absurdos criticando as ações de Dilma Rousseff durante o período da ditadura militar e acredito que algumas pessoas, por serem jovens demais, acreditam que eram os jovens daquela época negra os bandidos. A título de curiosidade, selecionei algumas das situações contra as quais era a luta de estudantes, intelectuais e trabalhadores brasileiros. Espero que tenham paciência de ler.

“Este é tempo de divisas, tempo de gente cortada... É tempo de meio silêncio, de boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na esquina.” CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

“Dormia, A nossa Pátria mãe tão distraída Sem perceber que era subtraída Em tenebrosas transações.” CHICO BUARQUE DE HOLLANDA

Em 1969, a Junta Militar escolhe o novo presidente: o general Emílio Garrastazu Médici. Seu governo é considerado o mais duro e repressivo do período, conhecido como "anos de chumbo". A repressão à luta armada cresce e uma severa política de censura é colocada em execução. Jornais, revistas, livros, peças de teatro, filmes, músicas e outras formas de expressão artística são censuradas. Muitos professores, políticos, músicos, artistas e escritores são investigados, presos, torturados ou exilados do país. O DOI-Codi (Destacamento de Operações e Informações e ao Centro de Operações de Defesa Interna) atua como centro de investigação e repressão do governo militar.

O Governo Militar (1964-85) – Implantação da Ditadura Militar

- uso da repressão / investigação (SNI), censura

- bipartidarismo: ARENA X MDB

- prisões / tortura / exílio (artistas e políticos)

- oposição armada ao regime militar: guerrilha urbana e rural

De acordo com o jornalista Zuenir Ventura, o fanático brigadeiro João Paulo Burnier elaborou um plano criminoso, o Para-Sar. Uma loucura: os pára-quedistas da aeronáutica, secretamente, pegariam os inimigos do regime e jogariam do avião no mar alto, a uns 40 quilômetros da costa. Além disso, havia o projeto de explodir o gasômetro do Rio de Janeiro, começo da avenida Brasil, área industrial e de trânsito engarrafado. Morreriam umas 10 mil pessoas queimadas. Tragédia nacional. Burnier botaria a culpa nos comunistas e, com a população querendo o linchamento dos responsáveis, prenderia os esquerdistas e os executaria sumariamente. Que coisa diabólica, não? Só não se concretizou graças à bravura e ao patriotismo de um militar da aeronáutica: o grande brasileiro capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, o Sérgio Macaco. A operação teve de ser cancelada. Mas o capitão Sérgio foi afastado da Aeronáutica.

O que significa viver sob uma ditadura militar? É exagerado achar que a toda hora tem tanque na rua, soldados desfilando dentro das faculdades. Aparentemente não muda muita coisa, porque você vai às compras, ao dentista, à praia e ao cinema, namora e casa, vê televisão. A não ser o fato de que seu vizinho é oficial do Exército e você sabe que por isso ele manda aqui no prédio (e isso pode ser até bom para a vizinhança), o resto parece bem normal. Mas, se você tiver um pingo de consciência, desconfia que as coisas não vão bem. Existe um cheirinho de esquisitice: as pessoas falam baixo, há uma nuvem de mistério cobrindo o país, o estômago fica pesado demais.

Ninguém podia falar mal do governo. Reclamação na fila do ônibus era uma linha até à cadeia. Estudantes e professores que conversassem sobre política poderiam ser expulsos da escola ou da faculdade, devido ao decreto-lei nº 477 (1969), Imagine o clima dentro da sala de aula. Se o professor contasse aos alunos o que você está lendo neste livro, corria o sério risco de não poder voltar mais à sala de aula. Ou mesmo para a sua própria casa...

_ O que você acha da situação atual?

_ Eu não acho nada! Tinha um amigo que achava muito e hoje ninguém acha ele! To fora!

O que dizer sobre essa loucura toda? Foram rapazes e moças, muitos ainda adolescentes, que tiveram a coragem de abandonar o conforto do lar, a segurança de uma vida encaminhada, a tranqüilidade da vida de jovem de classe média, para combater um regime opressor com armas na mão. Pessoas que dão a vida pelo ideal de libertação de seu povo não podem ser consideradas criminosas. Mesmo que a gente não concorde com os caminhos trilhados. Eles mataram? Certamente. Mas nunca torturaram. Nem enterraram suas vítimas em cemitérios clandestinos. E se o tivessem feito nada disso justificaria a tortura e o assassinato executados pelo governo. Além disso, seria mesmo inadmissível pegar em armas contra um regime antidemocrático que esmagava o povo brasileiro? Que moral uma ditadura tem para definir como deve ser combatida?

Não houve guerrilheiro preso que não fosse barbaramente torturado. Ficar pendurado no pau-de-arara (um cavalete em que o sujeito fica preso pela barra que passa na dobra do joelho, com pés e mãos amarrados juntos) é um dos piores suplícios. Além disso, pontapés, queimaduras de cigarros, choques elétricos, alicates arrancando os mamilos, banhos de ácido, testículos amassados com alicate, arame em brasa introduzido pela uretra, dente arrancado a pontapés, olhos vazados com socos. Mulheres estupradas na frente dos filhos, homens castrados. A lista de atrocidades é infindável.

Os torturadores são animais sádicos. Mas além da maldade pura e simples, havia a necessidade estratégica: a tortura extraía confissões em pouco tempo, dando oportunidade de prender outras pessoas, que também seriam torturadas, revelando mais coisas e assim por diante. Infelizmente, a tortura revelou-se bem eficaz.

P.S. Sempre respeitei posições políticas alheias, não sou radical, mas pesquisem para ver onde estão hoje os remanescentes da ditadura.

Texto: Celeste Regina Pedroso Teixeira

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

CHEGOU O RASPUTIN: É A HORA DO VALE-TUDO


a candidatura Serra desidrata sob taxas alarmantes de perda de credibilidade. Um clima político seco envolve o representante do conservadorismo brasileiro. A menção ao nome 'Serra' registra níveis recordes de rejeição em todas os termômetros de intenção de voto. A pouco mais de 30 dias do escrutínio das urnas, o tucano não consegue obter uma única notícia positiva para mudar a sensibilidade predominantemente negativa da sociedade diante da hipótese de tê-lo como ocupante da Presidência da República. À antipatia alia-se agora a convicção majoritária entre os brasileiros de que ele será derrotado em 3 de outubro. Mesmo os que o apóiam compartilham dessa convicção. Sondagem diária feita pela Vox Populi indicava nesta 4º feira que a candidata Dilma Rousseff já teria 51% das intenções de voto, contra 25% de Serra. Em uma palavra, Serra não aglutina no presente, nem motiva para o futuro. A isso se dá o nome de decadência. A sua, a exemplo de toda decadência política, também inclui um Rasputin. Chama-se Ravi Singh, um autodenominado guru indiano que se anuncia especialista em milagres digitais para acudir aflitos na reta final de campanhas eleitorais. Mistura equivalente de santo milagreiro e charlatão, o Rasputin original, Grigori Rasputin, tornou-se eminência parda da autocracia russa entre 1905 e a queda do regime, em 1917. Quando mais a monarquia russa era odiada pelo povo e perdia densidade política, mais Nicolau II e sua esposa, a imperatriz Alexandra Feodorovn, se cercavam de bruxos e charlatões. O mesmo se deu na decadência do peronismo na Argentina, nos anos 70. José López Rega, um ocultista e auto-proclamado vidente, passaria a exercer então influência terminal sobre a viúva de Perón, Isabel Martínez de Perón, que assumiu a presidência após a morte súbita do marido. Lopez Rega, depois se soube, foi um dos organizadores da Triple A, organização para-militar envolvida no assassinato de dezenas de comunistas e militantes populares argentinos. Singh, o Rasputin de Serra, teria sido contratado por US$ 500 mil para promover 'a virada' no projeto de poder do tucano. O comando da campanha demotucana desaprovou as mudanças introduzidas pelo guru no site do candidato, que para isso ficou três dias fora do ar. Gonzales, o contestado marqueteiro de Serra, afirma desconhecer a origem da contratação. O único fato novo trazido para a campanha de Serra no bojo da auto-proclamada 'virada' resume-se a uma obscura quebra de sigilo fiscal de que teria sido vítima sua filha, Verônica Serra. No leito da extrema-unção eleitoral, o fato nebuloso deu ao tucano o discurso de 'família agredida pela conspiração petista', enredo que inspira tanta confiabilidade quanto um envelope de Ki-suco sabor framboeza. Verônica Serra, que foi sócia da irmã do banqueiro Daniel Dantas em empresa de internalização de capitais registrada em Miami, curiosamente, é apontada por tucanos como a responsável pela introdução do rasputin Ravi Singh na 'virada' prometida na campanha do pai.
(Carta Maior; 02-09)