segunda-feira, 21 de junho de 2010

Saramago, depois de morto, ganha outro Nobel



Fecho de ouro numa vida dedicada a denunciar o delírio na realidade

Quem não gostaria de ser objeto do tribunal eclesiástico da Santa Sé?
Ainda bem que agora vibra apenas o seu martelo moral,
porque uma vez o sujeito ia direto para a fogueira, sem apelação.

Tomás de Torquemada morreu no ano de 1498. Pois, mesmo passados
cinco séculos suas práticas continuam vivas e aplicáveis, agora apenas
com fogueira moral do PC (partido católico) do Vaticano.

Mesmo assim, com a fogueira simbólica e tudo, o Vaticano carbonizou
sábado passado o recém falecido José Saramago. Antes de queimá-lo
apedrejou-o mil vezes com as pedras do ramerrão dogmático católico.

Saramago, morto, não pode se defender. Bela lição de cristandade
deixa a Igreja romana! Dos quase noventa anos de vida, Saramago
criticou duramente as religiões em mais de três longas décadas.
Silêncio. Morto, o vil tribunal resolve levantar suas objeções morais
esfarrapadas contra o grande pensador.

De qualquer forma, a vileza presente tem o sabor simbólico do seu
contrário. Sinto que estão premiando Saramago. E a energia cósmica
do grande escritor diverte-se, dá cambalhotas poéticas em alguma
estrela brilhante do páramo infinito.

Quem não gostaria de morrer e ser credenciado como o que sempre
denunciou a farsa da ilusão religiosa?

Já se vê que Saramago acaba de merecer mais um Prêmio Nobel, o
de ter ajudado a desconstituir o delírio na realidade que é a paranóia
religiosa. Convenhamos, que com as armas da literatura, tecendo textos
ditados pela imaginação, este escritor corajoso ajudou a minar a
institucionalidade material das religiões, com seus podres poderes
terrenos, suas aterrorizantes ameaças metafísicas, sua eterna depreciação
da vida, suas trágicas opções políticas, seus bancos endinheirados e suas
práticas de corrupção, violência física e simbólica contra crianças e jovens,
alienação generalizada e sobretudo por espalhar dogmas que dividem os
humanos ao invés de reconciliá-los em boa vontade e tolerância mútua.

Saramago agora - de fato - deve estar perfeitamente feliz.

Coisas da vida.

Foto: Viúva de Saramago, Pilar del Rio, olha para o corpo no funeral em
Lisboa ao lado da filha dele, Violante.
Fotografia de Rui Gaudêncio/Publico.pt

domingo, 20 de junho de 2010

Periscópio da Mídia

"Periscópio da Mídia - a indústria da comunicação social de cabeça para baixo" é um programa da Rádio Unisinos FM. - 103.3, transmitido todas as quintas-feiras, das 8h às 9h da noite, com reprise aos domingo, às 9h da noite. A boa desse programa é a análise feita dos enunciados emitidos pelas grandes corporações da mídia com ênfase nos telejornais e na mídia impressa. São debatidos assuntos de cunho acadêmico, havendo também a leitura de matérias nacionais e internacionais com eixo na Política, Economia e Mundo (principalmente da América Latina), comentários de livros e agenda de assuntos jornalísticos e culturais de relevância.

Por ser vinculado a uma rádio universitária, Periscópio da Mídia traz a presença de estudantes de pós-graduação, convidados e professores interessados, garantindo assim o espaço democrático para o debate e da boa polêmica jornalística. Sem falar em um detalhe muito importante: a rádio e seus programas não têm fins comercias, mas sim educativos.A coordenação é do Prof. Dr. Valério Cruz Brittos da Unisinos, tendo como titular o Prof. Dr. Bruno Lima Rocha e componente o mestrando Eduardo Menezes.

Os ouvintes podem entrar em contato através do email periscopiodamidia@gmail.com para envio de críticas e sugestões de pauta.

Então, fique ligado, esse é o link para você acompanhar a rádio Unisinos via internet http://www.unisinos.br/radio/index.php?option=com_content&task=view&id=64&Itemid=141&menu_ativo=active_menu_sub&marcador=141

Abraços, Jana.

sábado, 19 de junho de 2010

A PAUTA DO DESESPERO

Vendas de caminhões crescem 90% até maio; projeções do BNDES para investimentos já ultrapassam previsões pré-crise; vendas de cimento crescem 18% no ano; 9 fábricas cimento estão sendo construídas pela Votorantim para atender as obras do PAC e do setor habitacional; 39 shoppings centers estão em construção no país; 93% das categorias pesquisadas pelo Dieese tiveram aumento real de salário no ano passado... É sob esse arcabouço que deve ser analisada a desesperada tentativa da Folha de SP de dar vida a um natimorto enredo de arapongas & dossiês para atingir a candidatura Dilma Rousseff. A Folha, como se sabe, é aquele veículo que falsificou uma ficha policial contra a então ministra Dilma Rousseff em manipulação rudimentar de cola & xerox atestada por peritos da Unicamp. A pauta de dossiês & arapongas inclui-se nessa receita de remendos grosseiros adotada por uma redação que já não pode cobrir fatos políticos relevantes sem cometer um harakiri editorial. Silenciam os jornalistas da família Frias diante da acelerada voçoroca que corrói o chão da candidatura Serra, minada por disputas terminais para escolha do vice, que DEMOS reivindicam como condição para se manter na aliança, bem como diante da sangria desatada em Minas, o 2º colégio eleitoral do país, onde florescem diferentes modalidades de voto anti-serra (Dilmasia; Pimentésio...) , sem esquecer o derretimento do demotucano no 3º colégio eleitoral,o Rio, onde o namoro de Serra com o PV virou novela de traições & rupturas. O desespero da Folha é o mesmo que inspirou o script constrangedor da propaganda eleitoral antecipada do PSDB, no horário gratuito na última 5º feira. Aspas para um trecho síntese da narrativa ‘popular adotada pelo programa: ‘...Zé Serra é um sujeito simples, de bem com a vida, de bem com seu povo...' Em seguida, numa cena de rua, o próprio Serra confirma: "Como tudo com pão'.

(Carta Maior e o pulso da candidatura anti-Lula e anti-Dilma; 19-06)

Saramago nos eternos campos de caça


Ave, Saramago. Que não descanses em paz, mas que continues, na tua e na nossa memória, a luta pela boa literatura, a liberdade e um mundo com menos injustiças que este nosso.

Publicado originalmente no blog do Velho Mundo, da Rede Brasil Atual

José Saramago (1922 – 2010), que devia seu nome a uma erva cujas folhas têm vaga semelhança com as do espinafre, e a raiz com a de um pequeno nabo, comum em Portugal, rumou para a eternidade.

Onde estará? Tenho um palpite.

Os nativos do pampa, como os tehuelche e outros povos terminados em Che, tinham uma visão cosmogônica muito peculiar. Para eles o universo tinha o formato de uma foice, ou algo parecido. Havia a terra plana, que subia pelo Ande (assim no singular) até as geleiras e daí o céu. A Via-Láctea dos astrônomos continuava os cumes gelados, num novo pampa, só que estelar, e em direção à nossa Constelação do Cruzeiro do Sul. A cruz sideral era, na verdade, uma ema que sangrava, e as estrelas eram a esteira e as gotas do seu sangue. Para esse campo estelar iam os homens, que ficavam a eternidade na caça dessa ema pulsante.

E as mulheres? Essas, finalmente, descansavam, deitadas na terra, sem que ninguém as incomodasse.

Pois acho que Saramago deve ter partido para algum lugar assim, ou parecido. Talvez algum outro campo de caça dos povos africanos. Afinal, se em vida, ele partilhou das lutas pela liberdade desses e de outros povos, por que não iria compartilhar com eles a sua eternidade.

No seu último livro, Caim, esse personagem termina suas andanças cíclicas pelo espaço e tempo terrenos, depois de exterminar todos os tripulantes da Arca de Noé, numa querela interminável com Deus, que promete ser eterna. Sobre o vazio do mundo despovoado, e de uma criação abortada, os dois titãs, o que criava e descriava mundos e o que criava e descriava caminhos e descaminhos, se engalfinham numa luta de palavras que mostra, na verdade, que o mundo, se queremos lutar por sua melhora, deve estar em algum outro lugar. Aqui entre nós, talvez: esse parece ser o estro inspirador da literatura de Saramago e da herança que nos deixa.

Caim, confesso, não é dos meus preferidos. Esses são Memorial do Convento, Jangada de pedra, Ensaio sobre a cegueira, O Evangelho segundo Jesus Cristo. Mas li-o já antevendo nele uma espécie de testamento do escritor, de última palavra de um ateu convicto perseguido por imagens cristãs e religiosas também convictas. De certo modo isso é muito representativo dos mundos espirituais de muitos escritores portugueses que são a “esteira estelar” que acompanha Saramago em sua última e derradeira viagem pela e para a liberdade.

Não sei se Saramago estaria de acordo com essa minha visão, pondo-o em alguma outra eternidade. Mas se por acaso ele lá estiver, tenho a certeza (para homenagear o modo de falar português) de que ele já estará escrevendo histórias para seus companheiros de caça, para acordar as mulheres de seu merecido mas quieto sono, tentando convencê-los a deixar os céus para a Ema Sagrada, para parar de importuná-la, e para descerem de novo à terra e lutarem pelo “reino deste mundo”, que é título de um romance de Carpentier sobre o Haiti. País para quem ele doou a renda de um de seus últimos livros.

Ave, Saramago. Que não descanses em paz, mas que continues, na tua e na nossa memória, a luta pela boa literatura, a liberdade e um mundo com menos injustiças que este nosso.


Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.