sábado, 20 de fevereiro de 2010

PNDH3: medo do quê?

O 3º Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH3 foi lançado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos em dezembro de 2009. Desde então, vem sendo sistematicamente alvo de reação intransigente dos setores mais reacionários da sociedade brasileira.

O PNDH3 não constitui um inédito programa de direitos humanos do governo federal, mas sim uma terceira versão que sucedeu o PNDH1, de 1996, e o PNDH2, de 2002, adotados pelo governo FHC. Portanto, o PNDH3 não é criatura do atual governo, e sim a reedição dos Planos anteriores, com a diferença de que agora está legitimado por vários setores da sociedade que puderam discutir e sugerir o Plano, como resultado da democracia participativa, o que descarta os argumentos falaciosos de que o PNDH3 é uma tentativa de “cubanização” do Brasil ou um projeto ideológico do Presidente Lula, como alguns deputados interpretaram, provavelmente sem ler, o referido documento.

Seguindo a tendência do direito internacional, o Plano estabelece de forma consistente medidas de proteção aos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Mas não é apenas uma declaração direitos, pois identifica programas concretos que devem ser adotados, nomeando as pastas e entidades responsáveis, sugerindo a aprovação de leis e fazendo recomendações ao Judiciário. Constitui, portanto, um avanço inestimável.

Dentre algumas ações, prevê o fortalecimento da agricultura familiar, a descriminalização do aborto, os direitos das minorias, mecanismos de monitoramento de veículos de comunicação, a fiscalização dos latifúndios (num país em que 1% da população controla quase metade das terras), a cobrança de impostos sobre grandes fortunas, a garantia de direitos àqueles que cometem o pecado da diferença, como gays, lésbicas e travestis, e o direito à memória e à verdade no que se refere à ditadura militar.

Como se poderia esperar a CNBB se rebelou contra o casamento homossexual, o aborto e a restrição de símbolos religiosos em prédios públicos, numa histórica tentativa de manter seus dogmas medievais. O que poucos seriam capaz de prever é que o Ministro da Agricultura e da Defesa pudessem vocalizar a insatisfação conservadora do setor agrário e da defesa, o que é capaz de demonstrar o quanto os Ministros Reinhold Stephanes e Nelson Jobim estão em dissonância com o próprio governo que fazem parte e também com os anseios da sociedade brasileira.

A proposta da criação de uma Comissão da Verdade, que gerou maior debate, tem por objetivo apurar violações de direitos humanos praticadas durante o regime militar(1964-1985), além de identificar agressores e vítimas e tornar públicas as estruturas utilizadas para a prática dessas violações, suas ramificações nos diversos aparelhos de Estado, bem como proibir que espaços públicos sejam agraciados com nomes de torturadores. É, sobretudo, uma atividade de reconstrução da história brasileira, que só os temerários da verdade querem ocultar. Teria apenas papel de investigar os fatos, mas não de punir os implicados, tarefa que se espera da Justiça.

Ademais, o Plano sugere que no âmbito legislativo se respeitem os acordos internacionais e se revisem as propostas legislativas que signifiquem um retrocesso aos direitos humanos. Nesse campo, não há nada no PNDH3 que seja inconstitucional, que revogue a Lei da Anistia ou que retire garantias individuais, muito pelo contrário.

A Comissão da Verdade não é revanchista, apenas segue o exemplo de outros países, como Portugal, Espanha, Grécia, Chile, Uruguai, Bolívia e Argentina que não toleraram agraciar torturadores com nomes de rua como a Sérgio Fleury em São Paulo, enquanto as vítimas do Estado de violência e exceção permanecem esquecidas, sem o direito à memória e à verdade dos fatos.

Larissa Ramina é Doutora em Direito Internacional da USP e Professora da Unibrasil. Gisele Ricobom é Doutora em Direitos Humanos pela Universidade Pablo de Olavide.


[Helinho]

4 comentários:

Mordred! disse...

Sinceramente a Comissão da Verdade é sim um atentado à Lei da Anistia. Não ao fato de se buscar apontar os nomes dos envolvidos nas barbaridades cometidas na Ditadura Militar.
Devo ressaltar no entanto, alguns pontos, para que fique claro algumas questões.
O Brasil foi práticamente obrigado pelos EUA a adotar a ditadura. Quem teve a oportunidade ede estudar a história do Brasil sabe que os americanos em plena guerra fria não poderiam deixar o Brasil, maior país da America Latina, tender para o lado comunista. O presidente da época João Goulart era suspeito de ser comunista.
Logo, os EUA com porta aviões na região da América Central e pressiona o Brasil a tomar uma atitude.
Agora eu pergunto. Melhor a ditadura ou a invasão americana?
O tema em si, já dá assunto para anos. Ouve sim exageros do Exército Brasileiro num sentido de conter a desordem.
Mas considuo que reflitam a respeito, tentando imaginar se os estudantes não tivessem se rebelado, e acatado as ordens implicitas pelos ditadores.
Peço também que lembrem que a ditadura havia tempo determinado para acabar, e não acabou devido aos atos de vandalismo e revolta da sociedade.
A Comissão da Verdade, esqueceu apenas de citar, o envolvimento de atuais governantes em guerrilhas armadas contra a ditadura. Devo lembrar também que a ditadura militar acarretou exageros dos manifestantes também. Houve também guerrilhas armadas, que assassinavam, roubavam, e eram tão "maus" como os militares. E poor incrivel que pareça, nao vi na comisssão da verdade um ato bonito e de boa fé com âmbito de apontar os culpados. Se houvesse uma boa intenção, não deixariam a Dilma tentar uma candidatura, tendo em vista seu passado de guerrilheira. Posso e vou cometer a injustiça de citar apenas o nome dela, embora a fundo, muitos dos atuais governistas também mereçam seus nomes aqui. Sem contar o fato do próprio autor do PNDH 3m haver sido guerrilheiro também.
Então sugiro que haja uma pesquisa mais séria antes de escrever sobre o tema e enxer de lorota a cabeça de seus leitores.

Se querem a verdade, que a busquem com justiça.

Anônimo disse...

sobre o comentário em cima

"a ditadura havia tempo determinado para acabar, e não acabou devido aos atos de vandalismo e revolta da sociedade."

????????????

não deveria nem ter existido ù.ú

Unknown disse...

Sabe que uma das coisas mais assustadoras que vejo em termos de instituições poderosas é o ranço medieval da "santa inquisição" na igreja do século XXI. E depois há pessoas que falam em ameaça aos direitos humanos.

Unknown disse...

E pelo visto as mumias estão rejuvenecendo ou reencarnando em intidades mais jovens.