terça-feira, 18 de maio de 2010

Não verás Lula nenhum


Do blog Brasília, eu vi (Leandro Fortes)

Em linhas gerais, Luís Fernando Veríssimo disse, em artigo recente, que as gerações futuras de historiadores terão enorme dificuldade para compreender a razão de, no presente que se apresenta, um presidente da República tão popular como Luiz Inácio Lula da Silva ser alvo de uma campanha permanente de oposição e desconstrução por parte da mídia brasileira. Em suma, Veríssimo colocou em perspectiva histórica uma questão que, distante no tempo, contará com a vantagem de poder ser discutida a frio, mas nem por isso deixará de ser, talvez, o ponto de análise mais intrigante da vida política do Brasil da primeira década do século XXI.

A reação da velha mídia nativa ao acordo nuclear do Irã, costurado pelas diplomacias brasileira e turca chega a ser cômica, mas revela, antes de tudo, o despreparo da classe dirigente brasileira em interpretar a força histórica do momento e suas conseqüências para a consolidação daquilo que se anuncia, finalmente, como civilização brasileira.

O claro ressentimento da velha guarda midiática com o sucesso de Lula e do ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, deixou de ser um fenômeno de ocasião, até então norteado por opções ideológicas, para descambar na inveja pura, quando não naquilo que sempre foi: um ódio de classe cada vez menos disfarçado, fruto de uma incompreensão histórica que só pode ser justificada pelo distanciamento dos donos da mídia em relação ao mundo real, e da disponib ilidade quase infinita de seus jornalistas para fazer, literalmente, qualquer trabalho que lhe mandarem os chefes e patrões, na vã esperança de um dia ser igual a eles.

Assim, enquanto a imprensa mundial se dedica a decodificar as engrenagens e circunstâncias que fizeram de Lula o mais importante líder mundial desse final de década, a imprensa brasileira se debate em como destituí-lo de toda glória, de reduzí-lo a um analfabeto funcional premiado pela sorte, a um manipulador de massas movido por programas de bolsas e incentivos, a um demagogo de fala mansa que esconde pretensões autoritárias disfarçadas, aqui e ali, de boas intenções populares. Tenta, portanto, converter a verdade atual em mentiras de registro, como se fosse possível enganar o futuro com notícias de jornal.

Destituídos de poder e credibilidade, os barões dessa mídia decadente e anciã se lançaram nessa missão suicida quando poderiam, simplesmente, ter se dedicado a fazer bom jornalismo, crítico e construtivo. Têm dinheiro e pessoal qualificado para tal. Ao invés disso, dedicaram-se a escrever para si mesmos, a se retroalimentar de preconceitos e maledicências, a pintarem o mundo a partir da imagem projetada pela classe média brasileira, uma gente quase que integralmente iletrada e apavorada, um exército de reginas duartes prestes a ter um ataque de nervos toda vez que um negro é admitido na universidade por meio de uma cota racial.

Ainda assim, paradoxalmente, uma massa beneficiada pelo crescimento econômico, mas escrava da própria indigência intelectual.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Para estufar este filó

“Chéri à Paris”, por Daniel Cariello | Foto: Mauro Cardoso

Um dia, o telefone toca.

- Daniel, vai fazer o quê quarta-feira que vem, ali pelas três da tarde?

Como todo cara que tem tempo livre à beça, sempre acho que não tenho nenhum.

- Putz, tenho dentista.
- Mas você tinha me falado que o dentista era na sexta.
- Pois é, mas na quarta já começa a preparação espiritual, sabe?
- Bom, então tá. Vou arrumar outra pessoa pra pelada com o Chico Buarque.

Deu um “tchuns” na minha cabeça, seguindo de um “tchans” e de um “ziriguidum”. Achei que tava ficando doido.

- Cumequié? Futebol com o Chico Buarque?
- Isso, aquela pelada que tinha te falado. Tem uma vaga sobrando. Mas vou ligar pro…
- Vai ligar pra ninguém coisa nenhuma. Quarta-feira tô lá.

E só aí me lembrei, havia bem uns oito anos que não chutava uma bola. Desde que o Felipão cometera duas injustiças, e não convocara o Romário e eu para a Copa de 2002. Ali decidi pendurar o Kichute e tentar esportes menos frustrantes, como corrida de pombos e arremesso de atum.

Pois bem. Na quarta-feira, no bat-local e na bat-hora marcados, já havia algumas pessoas, mas nada do Chico. Deve chegar de helicóptero, tipo o Papai Noel no Maracanã, pensei. Ou então com batedores da polícia abrindo caminho, ou de barco pelo… No meio do meu devaneio, alguém me cutuca e apresenta um sujeito de short e chuteira, pronto pro jogo.

- Daniel Cariello, Chico Buarque. Chico Buarque, Daniel Cariello.

Eu havia pensado em várias coisas para dizer nesse momento, imaginado todas as possibilidades. Tinha preparado piadas, frases inteligentes, postura blasé, citações de Platão e o escambau. Uma delas, a boa, seria acionada na hora das apresentações. Só não havia previsto o imprevisto. E acabei dizendo a coisa mais estúpida.

- Chico Buarque? Acho que já ouvi falar…

Que imbecil eu sou, falei pra mim mesmo. Cretino, cretino!

Enquanto me recuperava, as equipes foram divididas, seis de cada lado, e ficamos em times opostos. Logo alguém passa a bola para o Chico, que vem em minha direção.

- Vai lá, Daniel.
- Eu? E faço o quê?
- Marca em cima.
- Uai, e pode?

Podia. E fui. Tomei a bola.

- Desculpa, foi sem querer.

Não sei se era perseguição pelas idiotices que eu havia falado, mas ele vinha atacando sempre pelo meu lado. Ou seja, eu precisava marcá-lo, era minha tarefa. E se eu fizesse uma entrada mais dura? Já imaginava as manchetes dos jornais – todos os jornais – do dia seguinte: “Campeão mundial da idiotice quebra Chico Buarque em partida de futebol. Músico nunca mais poderá tocar violão”.

- Ei, vamos trocar. Você fica na direita e eu na esquerda. Jogo melhor pelo lado de lá. – Propus a um companheiro de equipe, mentindo descaradamente, pois jogo igual, igualmente mal, em qualquer posição.

Imaginando que a partida não duraria mais do que 30 ou 40 minutos, dei pra correr tudo o que podia. Alguns elogiaram minha capacidade de me desmarcar, mas mal sabem eles que fugia era da bola. E ela, teimosamente, sempre acabava nos meus pés. Acabava mesmo, pois qualquer possibilidade de jogada morria ali.

Mas aí passa uma hora, uma hora e vinte, e nem sinal do fim do jogo. E enquanto Chico Buarque deslizava feito uma gazela, eu não tinha mais força nem pra ficar em pé. Mas apesar de mim o placar nos era favorável: 5 x 4.

- Quando termina? – Perguntei.
- Quando a gente estiver ganhando – Alguém do outro time respondeu.

Achei o critério justo. E juntei as últimas energias para “dar o melhor de si e ajudar a equipe”. A equipe deles, no caso. E logo em seguida Chico marcou o gol de empate.

- Bom, vamos parar, né? – Ele mesmo sugeriu. E ninguém discordou.

Pronto! A invencibilidade do Paristheama, a filial francesa do Politheama, estava assegurada. Se a minha vaga na pelada também estiver, vou fazer sempre o meu melhor para isso se manter. Não importa em que equipe jogue.


Daniel Cariello
, editor de Brazuca e co-autor da entrevista, é colaborador regular da Biblioteca Diplô /Outras Palavras. Escreve a coluna Chéri à Paris, uma crônica semanal que vê a cidade com olhar brasileiro.